Em 1945 o multiartista austríaco Axl Leskoschek fez as xilografias da edição brasileira de “O Jogador” de Dostoievski. Não há sorrisos, alegria e sinal de entretenimento na imagem. O preto e branco da técnica aumentam o drama da cena. Afinal, Dostoievski trata, além de toda ironia e superficialidade dos salões do jogos da Europa, do drama de Aleksei Ivanovitch, e a sua clássica caminhada pelos três estágios dos jogos de azar: ganho, perda e desespero.
Com a genialidade da sua arte, Dostoievski mostra a imensa capacidade que os jogos possuem de encantar o ser humano, causando-lhe um tipo de prazer complexo, porque envolve sempre decisões (qual número, qual cor, qual carta ?) imediatas, com alto impacto, também imediatamente, no resultado. Afinal, no jogo do perde e ganha, as emoções que conduzem o jogador são abissais. E, por serem abissais, geradas nas entranhas nervosas da pessoa, a busca pela repetição dessas sensações é um destino que se ganha e uma vida que se perde.
Como descreve o personagem principal, Aleksei Ivanovitch, o início da sua sina; |… Naquela mesma noite, fui à roleta. Oh, como o meu coração batia! Não, não era no dinheiro que eu pensava. Queria apenas que a partir do dia seguinte todos estes Hinze, todos estes gerentes de hotel, todas estas belas mulheres de Baden, falassem de mim, contando minha história, admirando-me, cumprimentando-me e se inclinando diante da minha nova sorte no jogo. Eram sonhos e preocupações de criança… mas… quem sabe? talvez assim eu reencontrasse Paulina, lhe contaria minhas aventuras e ela perceberia que estou acima de todos estes absurdos golpes de sorte… Oh, não, não era no dinheiro que eu pensava! Estou convencido que o entregaria à rapinagem de uma Blanche qualquer e novamente me exibiria em Paris durante três semanas, puxado por uma parelha de cavalos comprados por dezesseis mil francos. Sei muito bem que não sou avaro. Acho mesmo que sou pródigo… e portanto, com que emoção, que aperto no coração eu ouvia os anúncios do crupiê: trente et un, rouge, impair et passe ou: quatre, noir, pair et manque! Com que avidez eu olhava a mesa de jogo, na qual são esparramados luíses de ouro, fredericos e táleres, as pilhas de peças de ouro que desmancham sob o rodo do crupiê em montes reluzentes como brasa, ou as longas pilhas de moedas de prata que contornam a roleta. Antes mesmo de alcançar a sala de jogos, só de ouvir o tilintar das moedas, eu me sinto prestes a desfalecer”.
Paulo Volker – julho 2021